Produção (não) é sempre planejamento

Título polêmico, sabemos. Uma das primeiras regras sagradas que são ensinadas para quem decide emergir nesse mundo meio louco de planejar eventos, cultura e às vezes até vida de pessoas é a de que a produção, seja qual for, anda de mãos dadas com o planejamento, de que são quase sinônimos e de que há umrelação magnética onde, se você resolve virar esses dois ímãs e aproximar seus polos similares, o planejamento e a produção automaticamente se repelem e tudo vira um desastre. 
Mas há uma sementinha do questionamento que vêm me perturbando desde minhas pequenas, porém valiosas experiências com a produção: ela nem sempre se trata unicamente de planejamento.  
A produção é como um relacionamento. É um processo onde se exige cuidado, exige estudo sobre as melhores decisões a serem tomadas, exige listas e mais listas que são checadas, checkadasrevisitadas, excluídas e  comemoradas, exige o prestar atenção nas coisas e nas pessoas a sua volta, exige o cuidado com o tempo onde nem sempre atrasos são bem vistos; exige compromisso, lealdade e educação. 
..Mas todas essas etapas não devem ser planejadas, antes de mais nada? Sim. A diferença é que, como em um relacionamento, nem tudo pode ser planejado. E é daí que nasce a beleza da experiência. 
Assim como um novo laço que se cria e se desenvolve, cada produção - seja essa um evento de gastronomia, uma peça de teatro, um festival de dança, uma oficina criativa - é absolutamente único. Por mais similares que possam ser algumas situações, como uma temporada de uma peça que será apresentada todos os finais de semana durante um mês onde cada dia pode parecer que a produção será igual, não é verdade. Em um dia, podem ter mais cadeiras reservadas e uma lista diferente de pessoas. No outro, algumas luzes da cenografia podem ter queimado e você precisará se planejar para comprar outras. Talvez até o sonoplasta falte, e você precisa achar prontamente outra pessoa que possa substitui-la. Isso tudo pode acontecer em um mês ou entre uma apresentação e outra, num final de semana. A sala pode estar muito quente nas primeiras apresentações, pois quando o coletivo escolheu onde apresentar talvez não tenha levado em consideração a estação e o local, que são antagônicos em relação a conforto. Então, é correr atrás de um ar-condicionado. Que pode quebrar. E você resolve. 
É lembrar de colocar o kit de primeiros socorros no melhor lugar, que não é do lado de fora do espaço. É lembrar de verificar a contrarregragem, para que tudo esteja em seu lugar e nenhum ator ou atriz se confunda e tenha que improvisar.  
É entender o que cada um da sua equipe tem mais facilidade para executar naquela feira cultural – um tem facilidade com as planilhas, pode cuidar da gestão financeira. Outra tem criatividade para pensar numa estética e desenvolver uma cenografia que esteja dentro do tema, e sem gastar muito ou nada (mas que precisa também estar em plena comunicação com o financeiro para sabermos o que reembolsar depois). É conversar com cada expositor e artista que irá se apresentar, de forma leve, lembrando que você também deve saber vender o evento para que ele queira estar lá, além de entender suas necessidades. Do que você precisa? Pregos? Fita-banana? Esse espaço está OK para você? - Preciso ver com a dono do lugar se posso pendurar quadros e colocar fitas-banana no espaço. - É pensar em espaço para que cada um desses convidados, incluindo o público, se sinta confortável e acolhido.  
Mas antes disso tudo... o briefing! Expectativas para encarar a realidade depois de finalmente realizar a prestação de contas e poder dizer “ufa, acabou”. E vamos para o próximo.  
O offline e o online podem parecer se misturar, mas não devem. São panfletos, banners, convites, programação para que se marque naquele espacinho do inconsciente do público-alvo do que irá acontecer. É fazer modelo de negócios individual e compartilhado em milhares de plataformas até encontrar a melhor.  
É dinheiro. Achar que não vai dar. Mas lembrar que existem pessoas que podem ajudar, e se beneficiar com isso. É encontrar parceiros e oferecer contrapartidas onde ninguém sai perdendo com as escolhas.  
É ter paciência, porque não é porque sua cabeça de produtor está a mil, que todos entendem cada etapa do que precisa ser feito, e isso precisa ser explicado para que tudo dê certo. E mesmo assim talvez não dê, porque são pessoas.  
E são desses erros que nós vamos juntando retalho por retalho nessa grande malha de experiências na produção, para quando precisar, revisitá-la com carinho para as próximas viagens. E lembrar de sempre adicionar uma nova trama, porque essa grande manta nunca parará de crescer se você quiser. Porque cada produção é única e tem sua própria história para contar. Assim como um relacionamento.

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